Friday, January 05, 2007






João do Vale – O poeta do povo












João do Vale – O poeta do povo
João do Vale, falecido há nove anos em 6 de dezembro, deixou canções com letras fortes (como os sertanejos) e contagiantes que alegram festas e forrós, mas que muita gente desconhece serem de sua autoria. Carcará, Pisa na fulô, Na asa do vento, A voz do povo, Sina de caboclo, “Coroné” Antonio Bento são algumas delas.
João cantou as dificuldades da vida de sertanejo pobre, que conheceu muito bem, e as alegrias e o orgulho de ser compositor/cantor reconhecido e muito querido por colegas de infância e por expoentes da música popular brasileira, como Chico Buarque, Nara Leão, Zé Kéti, Edu Lobo, entre outros.
Nascido em Pedreiras em 1934, interior do Maranhão, começou a trabalhar ainda menino, e aos 13 anos mudou-se para São Luís, onde participou de um grupo de bumba-meu-boi já compondo versos. Pouco depois seguiu com destino ao sul do país. Trabalhou como ajudante de caminhão, mineiro em Teófilo Otoni e, ao chegar ao Rio em 1950, foi empregado na construção civil, como pedreiro.
Com músicas e letras na cabeça, já que não sabia escrever, começou a freqüentar as rádios com a intenção de mostrá-las a artistas. Em 1950, conseguiu que Zé Gonzaga (irmão de Luiz) gravasse Cesário Pinto, que faria sucesso no nordeste. E em 1953, foi apresentado por Luiz Vieira a uma das “rainhas do rádio”, Marlene, que gravou sua Estrela Miúda que, tocada nas rádios, fez sucesso no Rio. João contaria depois que, ao ouvir a música no rádio, comentou com os colegas de trabalho, na obra, que era uma música de sua autoria. Eles duvidaram e lhe disseram que o sol quente estava prejudicando seu juízo.
Dois outros períodos foram muito marcantes em sua carreira. No início dos anos de 1960, conheceu Zé Kéti que o levou para se apresentar no ZiCartola, bar-restaurante de Cartola e Dona Zica que reunia artistas e músicos. Lá foi convidado a participar do show Opinião, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão.
Opinião, idealizado por Vianinha (Oduvaldo Viana Filho), Paulo Pontes e Armando Costa e dirigido por Augusto Boal, estreou em dezembro de 1964, foi assistido por mais de 25 mil pessoas só no Rio de Janeiro, e levado a outros estados, constitui-se num marco de resistência artística ao regime ditatorial vigente no país. Este show, que lançou também Maria Bethânia (que substituiu Nara), com sua marcante interpretação de Carcará, foi relançado anos depois em 1975, com Zé Kéti e Maria Medalha, sob direção de Bibi Ferreira.
No final dos anos 70, comandaria o “Forró Forrado” no Catete, casa de forró, democrática, que reunia um público amplo: estudantes, intelectuais, trabalhadores das obras do metrô. João recebia convidados como Chico Buarque, Edu Lobo, Zé Ramalho, Djavan, sempre animando as sextas-feiras, por cerca de dez anos.
Em 1981, com direção de produção de Chico Buarque, Fagner e Fernando Faro, João do Vale grava um
belíssimo disco com participações especiais de Chico Buarque, Jackson do Pandeiro, Nara Leão, Fagner, Tom Jobim, Gonzaguinha, Clara Nunes, Zé Ramalho, Amelinha e Alceu Valença, atualmente disponível em cd.
Na década de 1990, vários shows beneficentes, em sua homenagem foram realizados, num período em que João do Vale já não conseguia cantar, devido a seqüela de “derrame”. E nesse mesmo sentido, em 1995, Chico Buarque produziu um segundo disco (cd) com interpretações também de vários artistas, alguns que já tinham gravado sucessos seus, como Maria Bethânia, Ivon Cury, Luiz Vieira, Marinês, além da participação de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Alcione, entre outros.
Novas homenagens e resgate de sua história seguiram-se após sua morte, como o livro Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará, de Marcio Paschoal (Editora Lumiar); o cd Carcarás da Cidade - Um tributo a João do Vale, lançado pelo selo da Prefeitura de Nova Iguaçu, onde João do Vale morou por cerca de vinte anos; João do Vale mais coragem do que homem, de Andréa Oliveira (Edufitia) e o documentário João do Vale – muita gente desconhece, de Werinton Kermes.


Minha História
(Raimundo Evangelista e João do Vale)
Seu moço quer saberEu vou cantar num baiãoMinha história pro senhorSeu moço preste atençãoEu vendia pirulitoArroz doce, mungunzáEnquanto eu ia vender doceMeus colegas iam estudarA minha mãe tão pobrezinhaNão podia me educarE quando era noitinhaA meninada ia brincarVige, como eu tinha invejaDe ver Zezinho contar- O professor ralhou comigoPorque eu não quis estudar
Hoje todos são doutorE eu continuo um João ninguémMas quem nasce pra patacaNunca pode ser vintémVer meus amigos doutorBasta pra me sentir bemMas todos eles quando ouvemUm baiãozinho que eu fizFicam todos satisfeitosBatem palma, pedem bisE dizem: João foi meu colegaComo eu me sinto feliz
Mas o negócio não é bem euÉ Mane, Pedro e RomãoQue também foi meus colegasE ficaram no sertãoNão puderam estudarE nem sabem fazer baião
Por Ferreira Gullar...
Devo dizer que considero João do Vale uma das figuras mais importantes da música popular brasileira. Se é certo que em 1964-65, quando se realizou pela primeira vez o show Opinião, os grandes centros do país tomaram conhecimento de sua existência e lhe reconheceram os méritos de compositor, não é menos certo que pouca gente de seu conta do que ele realmente significa como expressão de nossa cultura popular. Isso se deve ao fato de que João do Vale não é um compositor de origem urbana e que só agora se começa a vencer o preconceito que tem cercado as manifestações populares sertanejas. É verdade que em determinados momentos, com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, essa música conseguiu ganhar o auditório nacional, mas para, em seguida, perder o lugar conquistado. É que o Brasil é o grande e diversificado. Basta dizer que, quando João do Vale se tornou um nome nacional, já tinha quase trezentas músicas gravadas, que o Nordeste inteiro conhecia e cantava, enquanto no Sul ninguém ainda ouvira falar nele. Lembro-me da primeira vez que o vi cantar em público, em 1963, no Sindicato dos Bancários, no Rio, convidado por Thereza Aragão. Dentro de um terno branco engomado, pisando sem jeito com uns sapatões de verniz, entrou em cena. Parecia encabulado, mais, quando começou a cantar, empolgou o auditório. Era como se nascesse ali o novo João do Vale que, menos de dois anos depois, na arena do Teatro Opinião, faria o público ora rir, ora chorar, com a força e a sinceridade de sua música e de sua palavra. Autenticidade é uma palavra besta mas é na autenticidade que resida a força desse João maranhense, vindo de Pedreiras para dar voz nacional ao sertão. Mas não só nisso, e não apenas no seu talento, como também em sua cultura. Há gente que pensa que culto é apenas quem leu muitos livros. No entanto, se tivesse tido, como eu a oportunidade de ouvir João cantar as músicas sertanejas que ele sabe, veria que ele é a expressão viva de uma cultura. De uma cultura que não está nos livros mas na memória e no coração dos artistas do povo.
Ferreira Gullar -
Posted by Picasa

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